DIA
INTERNACIONAL DA MULHER
2020
Qual a razão de
celebrarmos o Dia da Mulher?
A ONU decidiu há anos
que o dia 8 de Março seria o Dia Internacional da Mulher, para que a sociedade
faça uma reflexão, chamando a atenção para a falta de direitos que as mulheres não
usufruem em relação aos homens e para combater a violência, a pobreza e a
repressão sobre as mulheres em todos os continentes.
Os homens tomaram o
poder nos primórdios da Humanidade. Uma corrente de pensamento afirma que seria
pelo facto de os homens serem mais fortes e serem caçadores, que era a
actividade mais nobre da época. Mas há quem diga que, nessa época, as mulheres
eram as matriarcas, as chefes das tribos, porque eram as mães, davam à luz, amamentavam,
cuidavam das crianças, dos mais fracos, do fogo. Seria a época dos
matriarcados.
De toda a maneira,
quando os humanos deixaram a vida nómada e pararam num lugar certo para
cultivar terras e cuidarem dos rebanhos, passaram a ter bens e exigiram
exclusividade sexual da mulher, para terem a certeza que os filhos eram seus e
seriam eles a herdarem os seus bens.
Instituiu-se as
famílias, foi interessante, viver em família, partilharem o produto do seu
trabalho, mas as mulheres perderam todo o poder. Eram os pais-homens que
recrutavam mulheres para os filhos e nasceu o contrato de casamento. Bem ou mal
a mulher ficava presa àquele homem, obrigada a respeitá-lo, a dar-lhe filhos,
tudo por obrigação.
As sociedades foram
evoluindo e os homens, com o poder na mão, criaram regras. Inventaram a Eva,
nascida da costela de Adão, levou Adão a pecar, e condenou toda a humanidade
com o pecado original.
O antigo testamento
trata as mulheres abaixo dos animais. Mandava apedrejar as mulheres adúlteras,
mas os homens, com quem elas fizeram sexo, nunca foram considerados adúlteros.
Pudera! Foram homens que escreveram estas regras!
“ O valor de uma
mulher é de 3 quintos em relação ao homem”. Pode ler-se no antigo testamento.
“Estavam 5 mil homens,
não contando mulheres e crianças” Novo Testamento
Durante um concílio
foi discutido se a mulher teria alma ou não. Isto alguns séculos depois de
Cristo.
A Humanidade saíu da
Idade Média, que foi uma época de grande atraso civilizacional, mas os homens
com poder faziam tudo para manter as mulheres no ”andar de baixo”. Um nobre,
Cavaleiro de Oliveira, na carta de Guia de Casados de 1751, aconselhava os
homens a casarem com mulheres bem novinhas, enquanto não ganhavam hábitos de
autonomia.
E dizia “ Sou homem,
pela graça de Deus, a minha nobreza é maior que a tua. Mulher instruída é como
um bonito e dextro cavalo de circo ou uma
bela e rica arma. A
sapiência na mulher deve ser regrada como o sal na cozinha.
Porém, por essa época,
começaram a aparecer mulheres e até homens que defendiam direitos para as
mulheres. E os machistas assustaram-se com medo de serem igualados às mulheres
e até ultrapassados.
O filósofo Locke,
defendia a liberdade natural do homem, mas nem os animais nem as mulheres
participavam dessa liberdade, tinham de estar subordinadas aos homens.
Rousseau escreveu: uma
mulher sábia é um castigo para o esposo, para os filhos, para toda a gente.
Kant afirmou: O estudo
laborioso e árduas reflexões, destroem os méritos próprios do sexo feminino.
Como é que grandes
filósofos daquela época acreditavam nestas barbaridades! O Feminismo começou a
nascer e assustava os machistas.
Olympe de Gouges, em
plena época da Revolução Francesa, escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher
e da Cidadã. “ Se a mulher pode subir ao cadafalso porque não pode subir à
tribuna? Ela subiu ao cadafalso, foi guilhotinada.
George Sand, também da
época da Revolução Francesa, chamava-se Aurore Dupin, mas adoptou o nome George
Sand, um nome masculino, para vender os seus livros, pois com o nome de Aurore
teria dificuldade de vendê-los e ela vivia da escrita.
As Irmãs Bornte,
escreveram muito nas suas vidas curtas e mandaram publicar com nomes
masculinos. Quando o romance Jane Eire
ganhou muita fama é que a Charllote Bronte disse ao pai que era a autora dessa
obra e assumiu a sua autoria perante o público. Os romances delas mais
conhecidos são “Jane Eire” da Charllote e o “Monte dos Vendavais” da Emily, mas
elas escreveram muitos mais.
Maria Lejárraga,
espanhola, nasceu em 1874 e morreu em 1974 e também escreveu muito. O seu lº
livro, contos, foi recebido com tanta frieza e ela jurou que nunca mais
publicaria nada em seu nome. Escreveu peças de teatro e para espectáculos
vários, tudo em nome do marido, que ficou célebre como dramaturgo.
As feministas eram
apelidadas de loucas e infelizes.
Em 1908, o jesuíta
Alarcon escreveu que a emancipação da Mulher é aberrante e essas Euménides têm
de ser encerradas em casas de correcção ou manicómios.
Em 1927, na revista
Iris da Paz podemos ler: “A sociedade faria muito bem encerrando as feministas
como loucas e criminosas”.
Dona Adelaide Coelho
da Cunha, uma dama da alta sociedade lisboeta, deixou o palacete onde vivia com
o marido e o filho para viver com Manuel Claro, que havia sido motorista na
casa deles. Foi em 1918. Fez 100 anos em 2018. Amavam-se e quiseram viver o seu
amor. O marido percorreu o país e, quando soube do seu paradeiro, foi buscá-la
à força com autoridades. Levaram-na para o Porto para uma casa de doentes
mentais. Quando ela lá chegou, encontrou uma ala desse manicómio cheia de
mulheres saudáveis como ela. Estavam internadas porque desobedeceram aos
maridos ou outros familiares. O Manuel esteve preso quase 4 anos e quando saíu
foram viver o seu amor por cerca de 30 anos, até à morte da Dona Adelaide, com
mais de 80 anos. Foi um final feliz porque ela desmascarou o marido através de
um jornal e conseguiu a sua libertação.
Segundo Eduardo
Galeano, Gustave Le Bom, um dos fundadores da psicologia social, disse que uma
mulher inteligente é tão rara como um gorila de duas cabeças.
Foi muito difícil para
certos homens que detinham estatuto superior admitir que as mulheres são tão
capazes como os homens.
Fina d’Armada, no seu
livro “Republicanas quase desconhecidas”, escreveu:
“Em 1910, as
portuguesas não eram cidadãs, não tinham direitos políticos, não se podiam
filiar em partidos ou associações masculinas sem autorização dos maridos, assim
como precisavam dessa autorização para publicar trabalhos literários ou
testemunhar em juízo. Também não tinham direitos sobre os filhos, não podiam
gerir os seus bens, nem o salário da operária lhe pertencia. O que nós
evoluímos em cem anos!
Na época do Estado
Novo eram proibidas às mulheres ascenderem a alguns cargos:
Magistratura
Diplomacia
Altos Quadros da
Função Pública
As mulheres não podiam
passar a fronteira sem autorização do marido
Não tinham direito
sobre os filhos.
Após o 25 de Abril
estas regras foram abolidas.
O direito ao voto para
todos os homens e todas as mulheres foi consagrado na Constituição da República
1976 - as mulheres
passaram a ter direito sobre os filhos em igualdade com os homens-pais.
1976 – Abolido o
direito de o marido abrir a correspondência da Mulher
Entretanto veio o direito
ao divórcio para os casais, planeamento familiar, despenalização do aborto a
pedido da mulher…
Mas estas conquistas
não caíram do céu como a chuva e o granizo. Algumas mulheres, muitas vezes
apelidadas de putas e outros epítetos, meteram-se à frente das lutas nos
partidos, nos sindicatos, associações, cooperativas e fizeram avançar a
História.
Mas a história não
chegou ao fim. Ainda há muito para conquistar e conseguir a igualdade de facto.
E não deixar que haja recuos. Basta haver uma crise para os saudosistas do
passado puxarem para trás e deitarem abaixo o que já conseguimos.
Aliás, houve recuos
sociais, as famílias têm muita dificuldade em adquirir casa própria, a falta de
segurança no trabalho atinge muita gente trabalhadora, os salários são cada vez
mais baixos em relação ao custo de vida e as reformas estão degradadas. E há
muita gente sem direito a reforma, por diversas razões.
A mentalidade machista
tem ganho terreno, o alcoolismo aumenta, a violência doméstica não pára e
continuam a assassinar mulheres porque querem separar-se, porque vão viver
outra vida para não se submeterem a maus tratos e eles, os machistas que se
consideram donos de uma mulher, matam para que ela não seja feliz.
Uma jovem que em 2014
tinha 20 anos contou que o seu noivado acabou porque não obedeceu ao noivo. Ele
não pôde ir à festa da freguesia e não queria que ela fosse. Mas ela foi e ele
já não a quis, porque não seria uma mulher obediente. Quando mais tarde
encontrou a mãe dele, a senhora disse-lhe: se ele não queria que fosses à festa
não deverias ter ido. Ao que ela respondeu. Oh senhora, acho que eu já tenho 50
anos? Eu tenho 20 anos e quero me divertir. Foi esta posição que a libertou de
uma vida oprimida com aquele homem. Actualmente já tem outro relacionamento e é
mãe de um filho.
Conceição Pereira