Hoje é o Dia Mundial do Livro. Como não tenho dinheiro para publicar mais um livro, vou colocar aqui o 1º episódio de um livrinho que escrevi há anos.
A
COROA DO PICO
Margarida
vai à escola
Margarida acorda, abre os olhos e olha
através da vidraça. As folhas da vinha começam a amarelecer. O sol já começa a
aparecer lá no alto das montanhas. O melro poisa no peitoril da janela, entoa o
seu trinado e levanta voo. Margarida segue-o com a vista até ele poisar na
parreira grande.
A vista espraia-se pelos telhados, vinhas e
encostas. “Que farão os pássaros lá no alto da Rocha Branca?” – Pensa Margarida
– “Com certeza vão cumprimentar aqueles senhores cinzentos que estão sempre de
pé”.
Todas as manhãs, aconchegada entre os
cobertores da cama, a menina observa aquela paisagem. O que mais a fascina é a
Coroa do Pico. Aquela montanha escarpada, vertical, terminando em bico pelo céu
dentro, desperta-lhe desejos e aguça-lhe a curiosidade.
“Se eu pudesse ir até à Coroa do Pico, talvez
de lá pudesse tocar com a mão no céu. Gostava muito de ir à Coroa do Pico.” –
Pensava ela.
-Margarida, levanta-te. Tens de ir para a
escola.
-Que horas são, avó?
- Já passa das oito. Despacha-te para não
chegares tarde à escola.
Margarida levanta-se à pressa. Nem pensar
chegar tarde à escola.
“Tenho de me despachar. Daqui a pouco está aí
a Rosalina e eu ainda não me calcei…”
- Estás pronta, Margarida?
- Já vou, Rosalina. Espera por mim. Já estou
a calçar os sapatos.
Todas as manhãs, Rosalina passa na casa de
Margarida e as duas amiguinhas encaminham-se para a escola, de bolsa a
tiracolo.
- Fizeste a cópia, Margarida?
- Eu fiz. Tu não fizeste?
- Não. Minha mãe não me comprou o caderno. Diz
que não tem dinheiro e o vendeiro não fia cadernos.
- E o que vais dizer à senhora professora?
Ela vai zangar-se!
- Achas que ela me vai bater?
- Não sei. Talvez não.
- Meninas, - diz a professora de cima do
estrado – vamos à lição da tabuada. Hoje é a tabuada dos três.
Margarida encolhe-se toda. Detesta aquela
coisa da tabuada, mas vai repetindo baixinho: “três vezes um, três; três vezes
dois, seis; três vezes…três vezes… Se eu tivesse três vezes cinco tostões,
comprava amêndoas, figos e rebuçados.
- Margarida, três vezes sete?
- Três vezes sete… vinte e quatro.
- Toma, que é para estudares melhor as
lições.
A menina não chora, apesar de sentir aquele
ardor da palmatória que lhe queima a mão. Encosta-se no seu cantinho, muito
triste, à espera que acabe o suplício da tabuada.
Entretanto, a Bernardete, que também não sabe
a tabuada, faz momices para as meninas rirem no banco do fundo.
Mas a lição da segunda classe ainda não
terminou. Agora, cada uma tem de dizer os dias da semana. Margarida está
entusiasmada. “Nenhuma sabe tão bem os dias da semana como eu”.
- É a tua vez, Margarida, Sabes os dias da
semana?
- Sei, sim, senhora: segunda-feira,
terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado-frade e
domingo-freira.
- Quem te ensinou isso, Margarida? –
Perguntou a professora.
- Foi a minha avó.
A professora riu com gosto e toda a escola a
acompanhou. Margarida é que não achou graça nenhuma àquilo. Riam-se dela! Ela
sabia os dias da semana melhor que as outras!
De volta a casa, um pouco cabisbaixa,
pergunta-lhe a mãe:
- Então, Margarida, que tal foi a escola
hoje? Soubeste as lições?
- ‘Inda me enganei.
- Então ontem à noite sabias tão bem?!
- Foi a tabuada. A senhora professora perguntou
salteado…
- E as outras lições?
- Há uma coisa que eu não entendo. Soube os
dias da semana melhor que as outras e riram-se de mim! Até a senhora
professora!
- Olha lá, quem sabe se tu disseste aquela
cantilena que a avó te ensinou há dias?
- Pois foi. A avó disse que era assim.
- Ó filha, a avó diz aquilo em casa, a
brincar, mas na escola não se diz assim.
Agora é que Margarida estava confusa. Afinal,
há coisas para dizer em casa e outras diferentes para dizer na escola?!
Fez-se amuada, mas daí a pouco já cantava,
espiava os melros e as pombas e admirava a Coroa do Pico.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.