quinta-feira, 23 de abril de 2020


Hoje é o Dia Mundial do Livro. Como não tenho dinheiro para publicar mais um livro, vou colocar aqui o 1º episódio de um livrinho que escrevi há anos.

A COROA DO PICO
Margarida vai à escola
Margarida acorda, abre os olhos e olha através da vidraça. As folhas da vinha começam a amarelecer. O sol já começa a aparecer lá no alto das montanhas. O melro poisa no peitoril da janela, entoa o seu trinado e levanta voo. Margarida segue-o com a vista até ele poisar na parreira grande.
A vista espraia-se pelos telhados, vinhas e encostas. “Que farão os pássaros lá no alto da Rocha Branca?” – Pensa Margarida – “Com certeza vão cumprimentar aqueles senhores cinzentos que estão sempre de pé”.
Todas as manhãs, aconchegada entre os cobertores da cama, a menina observa aquela paisagem. O que mais a fascina é a Coroa do Pico. Aquela montanha escarpada, vertical, terminando em bico pelo céu dentro, desperta-lhe desejos e aguça-lhe a curiosidade.
“Se eu pudesse ir até à Coroa do Pico, talvez de lá pudesse tocar com a mão no céu. Gostava muito de ir à Coroa do Pico.” – Pensava ela.
-Margarida, levanta-te. Tens de ir para a escola.
-Que horas são, avó?
- Já passa das oito. Despacha-te para não chegares tarde à escola.
Margarida levanta-se à pressa. Nem pensar chegar tarde à escola.
“Tenho de me despachar. Daqui a pouco está aí a Rosalina e eu ainda não me calcei…”
- Estás pronta, Margarida?
- Já vou, Rosalina. Espera por mim. Já estou a calçar os sapatos.
Todas as manhãs, Rosalina passa na casa de Margarida e as duas amiguinhas encaminham-se para a escola, de bolsa a tiracolo.
- Fizeste a cópia, Margarida?
- Eu fiz. Tu não fizeste?
- Não. Minha mãe não me comprou o caderno. Diz que não tem dinheiro e o vendeiro não fia cadernos.
- E o que vais dizer à senhora professora? Ela vai zangar-se!
- Achas que ela me vai bater?
- Não sei. Talvez não.
- Meninas, - diz a professora de cima do estrado – vamos à lição da tabuada. Hoje é a tabuada dos três.
Margarida encolhe-se toda. Detesta aquela coisa da tabuada, mas vai repetindo baixinho: “três vezes um, três; três vezes dois, seis; três vezes…três vezes… Se eu tivesse três vezes cinco tostões, comprava amêndoas, figos e rebuçados.
- Margarida, três vezes sete?
- Três vezes sete… vinte e quatro.
- Toma, que é para estudares melhor as lições.
A menina não chora, apesar de sentir aquele ardor da palmatória que lhe queima a mão. Encosta-se no seu cantinho, muito triste, à espera que acabe o suplício da tabuada.
Entretanto, a Bernardete, que também não sabe a tabuada, faz momices para as meninas rirem no banco do fundo.
Mas a lição da segunda classe ainda não terminou. Agora, cada uma tem de dizer os dias da semana. Margarida está entusiasmada. “Nenhuma sabe tão bem os dias da semana como eu”.
- É a tua vez, Margarida, Sabes os dias da semana?
- Sei, sim, senhora: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado-frade e domingo-freira.
- Quem te ensinou isso, Margarida? – Perguntou a professora.
- Foi a minha avó.
A professora riu com gosto e toda a escola a acompanhou. Margarida é que não achou graça nenhuma àquilo. Riam-se dela! Ela sabia os dias da semana melhor que as outras!
De volta a casa, um pouco cabisbaixa, pergunta-lhe a mãe:
- Então, Margarida, que tal foi a escola hoje? Soubeste as lições?
- ‘Inda me enganei.
- Então ontem à noite sabias tão bem?!
- Foi a tabuada. A senhora professora perguntou salteado…
- E as outras lições?
- Há uma coisa que eu não entendo. Soube os dias da semana melhor que as outras e riram-se de mim! Até a senhora professora!
- Olha lá, quem sabe se tu disseste aquela cantilena que a avó te ensinou há dias?
- Pois foi. A avó disse que era assim.
- Ó filha, a avó diz aquilo em casa, a brincar, mas na escola não se diz assim.
Agora é que Margarida estava confusa. Afinal, há coisas para dizer em casa e outras diferentes para dizer na escola?!
Fez-se amuada, mas daí a pouco já cantava, espiava os melros e as pombas e admirava a Coroa do Pico.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.